sábado, 28 de dezembro de 2013

O Infeliz Natal da Saúde Capilé


No último dia 19, o Hospital Centenário de São Leopoldo inaugurou sua nova recepção e implantou a utilização de um novo sistema de cores para dinamizar o atendimento e oferecer mais conforto aos pacientes.
Com tanto conforto garantido, quem precisaria se preocupar com a disponibilização de mais médicos para dinamizar ainda mais tal atendimento?
Sorte mesmo teve quem não ficou doente neste feriado de Natal. Com uma espera estimada em 5 horas, para ser atendido pela única médica disponível, os pacientes lotaram a nova recepção. Pessoas de todas as idades, com diferentes enfermidades e agora também diferenciadas entre cores — vermelho, amarelo e verde — conforme estipulado na triagem, esperavam confortavelmente pelo atendimento, como quem espera pelo seu presente natalino. Assim foi o Natal do aposentado Amélio Trentin e de dezenas de pessoas que também tiveram a infelicidade de adoecer no feriado.
 Antes dos sintomas, a primeira pergunta que é feita ao doente é sempre a mesma.
—Por que não fostes à Unidade Básica de Atendimento Médico (UBAM)?
A resposta varia de caso a caso. Não tenho como responder por cada paciente que procura o Hospital, mas algumas respostas eu posso afirmar que não correspondem a este questionamento:
Não é porque o Hospital fica mais perto dos bairros. Ele não fica. Não é porque os doentes gostem de gastar gasolina e de se deslocar grandes distâncias sentindo-se mal. Eles não gostam. Não é porque o atendimento nas UBAMs seja bom. Ele não é.
Me arrisco a dizer que se acredita no imaginário popular, que quanto maior a Instituição for, de mais funcionários (no caso, médicos) ela dispõem. Se uma pessoa doente procura o hospital é porque ela acredita que nele será melhor atendida.
Amélio, mora a duas quadras da UBAM do bairro Feitoria, em São Leopoldo. Acordou com febre, dores no corpo e vertigens, mas tentou aguentar, pois antes de se dirigir ao Hospital constatou que o posto próximo de sua casa estava lotado. Com classificação verde, aguardou das 13 até as 17 horas para ser atendido.  Nesse período, viu a chegada de pessoas baleadas, idosos em estado crítico e pessoas desistindo da espera.  Pessoas com tarjas amarelas e vermelhas sendo atendidas juntamente às de tarja verde. Tão democrático quanto comprovador da ineficiência do novo sistema.
No entanto, a decoração da nova sala de espera ficou muito bonita, parabéns para a administração do Hospital que está investindo muito bem os recursos do Município. Pena que seja no lugar errado. Como dito pela esposa de Amélio, Maria do Carmo Trentin, “De que adianta comprar uma saia nova com rendas francesas, enquanto a roupa de baixo continua aos trapos? ”.


Obviamente que o Jornal VS não publicou meu texto na íntegra, mas ao menos foi atrás dos responsáveis para verificar os fatos. Afinal de contas, de que serve o jornalismo senão para isto?
Pena que a resposta não seja tão esclarecedora quanto desoladora.


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A nau de um tolo só

Ship of fools. É o que cantava a embriagada voz do Mr. Morrison quando subi a bordo.  Não de um navio. De um ônibus. Com um único tolo. Eu. O corredor vazio. Os bancos também. A cabeça cheia. A humanidade estava desaparecendo, ele dizia. O que diria ele se soubesse que ela continua? Todo dia. Todo o tempo. 

Nos bares, os copos se levantam como troféus ao fim do campeonato. As luzes natalinas reluzindo insistentes por entre as folhas rememoram, é dezembro. O campeonato chega ao fim novamente. E no fim, só o que resta é o que já foi. O que não foi. E o que não será. O saldo de gols não foi dos piores, nem tampouco, o melhor que poderia ser. Muitas bolas-fora. Muitas faltas. Quase expulsões. E algumas marcas. Muitas delas, na verdade. Mas uma vida sem marcas é como uma tela sem tinta. Um violão sem cordas.


No bolso, nenhum centavo. Na memória, valiosas lembranças. Enquanto isso, a viagem segue. As últimas páginas de outro livro. Uma pausa no trecho que diz: "Eu não queria aquela vida, queria uma vida diferente". Outra curva. Outra rua vazia e escura. À direita, outro bar, cheio de pessoas celebrando a alegria de não saber. Não saber que não é real. Que amanhã o efeito passa e o vazio retorna.

Desembarcar nunca é tão bom quanto deveria ser. Tão próximo de casa. Tão longe de mim. A mesma rua que já viu o pó, já viu o sangue e já viu de tudo. A mesma rua de ontem, e de anteontem. E de sempre. A essa altura quem me acompanha é Mr. Plant. Incrível como 12 anos não mudaram em nada a sensação de euforia, que hoje eu chamo nostalgia, ao ouvir aquela voz. A mesma que eu sentia ao assistir os trechos de "The Song Remains The Same" na MTV. E tudo acaba. Até a MTV acabou. Chego em casa ao som  de Fool in the rain. Outra canção sobre tolos. Sobre tolos felizes à procura de outra dose. Sem coincidências. Sem destino. Só o acaso. E logo antes do refrão, outra verdade: "Os pensamentos de um tolo são desatentos/ Eu sou um tolo esperando na esquina errada". Mas tudo se desfaz, com a melhor recepção do mundo. De quatro patas, de pé no portão, já me espera. Tamanha alegria que eu nem sei retribuir. Lambidas e mordidas de leve. Muito mais do que eu mereço. Muito mais do que eu espero. Mais uns passos e pronto. Do portão para a cama, e de lá já não importa. Onde quer que a madrugada me leve. Tão leve quanto um tolo pode ser.