sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A nau de um tolo só

Ship of fools. É o que cantava a embriagada voz do Mr. Morrison quando subi a bordo.  Não de um navio. De um ônibus. Com um único tolo. Eu. O corredor vazio. Os bancos também. A cabeça cheia. A humanidade estava desaparecendo, ele dizia. O que diria ele se soubesse que ela continua? Todo dia. Todo o tempo. 

Nos bares, os copos se levantam como troféus ao fim do campeonato. As luzes natalinas reluzindo insistentes por entre as folhas rememoram, é dezembro. O campeonato chega ao fim novamente. E no fim, só o que resta é o que já foi. O que não foi. E o que não será. O saldo de gols não foi dos piores, nem tampouco, o melhor que poderia ser. Muitas bolas-fora. Muitas faltas. Quase expulsões. E algumas marcas. Muitas delas, na verdade. Mas uma vida sem marcas é como uma tela sem tinta. Um violão sem cordas.


No bolso, nenhum centavo. Na memória, valiosas lembranças. Enquanto isso, a viagem segue. As últimas páginas de outro livro. Uma pausa no trecho que diz: "Eu não queria aquela vida, queria uma vida diferente". Outra curva. Outra rua vazia e escura. À direita, outro bar, cheio de pessoas celebrando a alegria de não saber. Não saber que não é real. Que amanhã o efeito passa e o vazio retorna.

Desembarcar nunca é tão bom quanto deveria ser. Tão próximo de casa. Tão longe de mim. A mesma rua que já viu o pó, já viu o sangue e já viu de tudo. A mesma rua de ontem, e de anteontem. E de sempre. A essa altura quem me acompanha é Mr. Plant. Incrível como 12 anos não mudaram em nada a sensação de euforia, que hoje eu chamo nostalgia, ao ouvir aquela voz. A mesma que eu sentia ao assistir os trechos de "The Song Remains The Same" na MTV. E tudo acaba. Até a MTV acabou. Chego em casa ao som  de Fool in the rain. Outra canção sobre tolos. Sobre tolos felizes à procura de outra dose. Sem coincidências. Sem destino. Só o acaso. E logo antes do refrão, outra verdade: "Os pensamentos de um tolo são desatentos/ Eu sou um tolo esperando na esquina errada". Mas tudo se desfaz, com a melhor recepção do mundo. De quatro patas, de pé no portão, já me espera. Tamanha alegria que eu nem sei retribuir. Lambidas e mordidas de leve. Muito mais do que eu mereço. Muito mais do que eu espero. Mais uns passos e pronto. Do portão para a cama, e de lá já não importa. Onde quer que a madrugada me leve. Tão leve quanto um tolo pode ser.


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